Michel Temer (PMDB) foi condenado pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo por fazer doações de campanha acima do limite permitido por lei. Ele admite o fato, mas diz que foi apenas “erro de cálculo”. Temer ainda pode recorrer da decisão no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), mas, com a condenação, veio a polêmica: a decisão torna Temer “ficha-suja” diante da Justiça Eleitoral?
Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, a decisão judicial não tira dele a prerrogativa de assumir a Presidência da República nem suspende seus direitos políticos. Mas pode, no futuro, enquadrá-lo na chamada Lei da Ficha Limpa e torná-lo inelegível por oito anos.
O caso tem origem em doações que somam R$ 100 mil, feitas por meio de cheques de R$ 50 mil para Alceu Moreira da Silva e Darcísio Paulo Perondi, candidatos a deputado federal pelo PMDB do Rio Grande do Sul, conforme consta da prestação de contas de Temer ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Os dois candidatos foram eleitos.
Doação acima do permitido
Como Temer declarou à Receita Federal ter recebido rendimentos pessoais que somavam R$ 839.924,46 em 2013, poderia ter doado no máximo R$ 83,99 mil, ou até 10% do total. Por essas doações, foi condenado em segunda instância, no último dia 3 de maio, a pagar multa de R$ 80 mil (cinco vezes o valor doado a mais, de R$ 16 mil).
Na decisão do TRE-SP, foi mantida a condenação da primeira instância, da 5ª Zona Eleitoral, mas negado o pedido de revisão da multa para R$ 160 mil (dez vezes o valor doado a mais).
Por meio de nota, o agora presidente interino assumiu que, “por erro de cálculo, doou R$ 16 mil além do permitido pela legislação” e “irá pagar o valor estipulado pela Justiça, em R$ 80 mil”.
Condenação deixa futuro em dúvida
Segundo o autor da ação eleitoral contra Temer, o promotor de Justiça José Carlos Mascari Bonilha, da 1ª Zona Eleitoral da cidade de São Paulo, a condenação pode deixar em suspenso o futuro eleitoral do político, mas não impede legalmente que assuma a Presidência, porque já é o vice eleito na chapa.
E, como prevê o artigo 79 da Constituição, toda vez que o cargo de presidente fica vago, como no caso do impeachment, o vice assume. A decisão também não suspende os direitos políticos de Temer.
Porém, a condenação em segunda instância, por doar acima do estabelecido, é causa de inelegibilidade prevista na lei da ficha-limpa, assim descrita: “A pessoa física e os dirigentes de pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão, observando-se o procedimento previsto no art. 22”.
“Temer está, portanto, potencialmente inelegível por oito anos a partir da condenação”, diz o promotor. E, na hipótese de vir a ser candidato a presidente ou a outro cargo público em 2018, poderá, assim, ter a candidatura contestada e impugnada.
Em nota, a Procuradoria Regional Eleitoral no Estado de São Paulo (PRE-SP) fez a mesma interpretação, citando a Lei da Ficha Limpa e dizendo que uma decisão dessa natureza não tem “impacto imediato” sobre os atuais mandatos.
Para a procuradoria, a discussão sobre a potencial inelegibilidade de doador “somente será realizada em eventual ação de impugnação de registro de candidatura”. Isto é, quando uma candidatura for lançada.
Gravidade relativa
Na análise do professor Michael Mohallem, da FGV (Fundação Getulio Vargas) Direito Rio, há, sim, “potencial de Temer se tornar um ficha-suja”. O especialista concorda com a PRE-SP sobre isso vir a acontecer apenas no momento do registro de uma possível candidatura, quando a Justiça Eleitoral avaliará a documentação do candidato.
Ele ressalva que a doação acima do limite pode, contudo, não ser vista com um crime de muita gravidade pelos olhos da sociedade, e a Justiça acompanhar essa percepção. Para Mohallem, de todo modo, “ainda é cedo para dizer que Temer não pode ser candidato, mas já se pode dizer que ele pode ter se tornado inelegível”.
O professor da FGV lembra que Dilma Rousseff também poderia ser enquadrada na Lei da Ficha Limpa e ficar inelegível por oito anos sem precisar do impeachment, uma vez que suas contas foram rejeitadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União), crime também suficiente para torná-la uma ficha-suja.
Recursos
Mohallem pondera que ainda pode haver muitos recursos de Temer, inclusive à Justiça Comum. Mas, para o promotor Bonilha, um eventual recurso do presidente interino não teria sucesso, uma vez que não o fez na primeira instância, aceitando o pagamento da multa.
“Se não recorreu naquela época, ele não tem legitimidade para mudar nada agora. Ele se conformou com a sentença”, afirma. “E como não há fato novo, a decisão do TRE se torna definitiva, imutável.”
Guilherme Azevedo
Do UOL, em São Paulo