Principal fiador da reforma da Previdência, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mudou o tom na defesa da proposta.
Alegando decepção com a articulação do governo e com a relação com o presidente Jair Bolsonaro (PSL), Maia questiona o protagonismo que tem tido na batalha para a aprovar as impopulares mudanças nas regras de aposentadorias e pensões.
A aliados, ele reclama da ausência de lideranças do governo capazes de atender os deputados, além da desorganização no Palácio do Planalto, por causa da disputa entre a Casa Civil e a Secretaria de Governo para assumir as funções de articulação política.
O grupo mais próximo de Maia, que se reuniu em almoço nesta terça-feira (19) na residência oficial da presidência da Câmara, tem uma avaliação unânime: hoje, a base de Bolsonaro é formada apenas pelo PSL, seu próprio partido.
Contudo, mesmo o PSL defende mudanças na PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da reforma da Previdência.
A deputados mais próximos, o presidente da Câmara cita a frustração com o presidente.
Irritou Maia que Bolsonaro tenha falado que sofre “pressão da velha política” logo após recebê-lo para reunião no Alvorada para articular as medidas de liberação de cargos para a votação da reforma.
O presidente se reuniu com o parlamentar no sábado (9) para tratar da deliberação sobre o texto na Câmara, e foi alertado de que precisava afagar o Congresso, que vem se sentindo desprestigiado e já enviou recados para o Executivo.
Depois, na segunda-feira (11), em videoconferência com ministros que visitavam a estação brasileira na Antártida, Bolsonaro bateu na “velha política”.
“Vocês sabem que as pressões são enormes porque a velha política parece que quer nos puxar para fazer o que eles faziam antes. Nós não pretendemos fazer isso”, disse Bolsonaro à época.
No mesmo dia, o governo anunciou a liberação de R$ 1 bilhão de emendas para parlamentares, com o objetivo de angariar apoios.
Mesmo se o Palácio do Planalto organizar a articulação política, o governo precisa de Maia para que as mudanças nas regras de aposentadorias e pensões sejam aprovadas na Câmara.
Nesta terça, ele reuniu líderes de partidos que foram responsáveis pela sua reeleição —menos o PSL.
Nenhum interlocutor de Bolsonaro esteve no encontro. Apenas líderes e deputados de legendas, como PP, PSD, MDB, DEM e PR.
As críticas à falta de articulação do governo foram o principal tema.
Quanto mais o Planalto demora para começar a formar sua base de apoio no Congresso, mais difícil será contornar o descontentamento dos deputados com a gestão Bolsonaro, avalia o grupo de Maia.
A mudança de postura do presidente da Câmara é perceptível, por exemplo, nas declarações sobre o calendário da PEC da reforma da Previdência.
Antes mesmo da instalação da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Maia apresentou uma perspectiva para votação do texto no colegiado —até fim de março.
Nesta terça, ele se recusou a comentar a previsão do presidente da comissão, Felipe Francischini (PSL-PR), que adiou a estimativa para 3 de abril.
“CCJ não é comigo. Não trato da CCJ. CCJ é do PSL. O PSL é que trata da CCJ”, afirmou Maia, sem ao menos deixar que a pergunta fosse concluída.
Os partidos alinhados a Maia não devem ir para o confronto na CCJ com a oposição, que quer postergar —para depois de 3 de abril— a votação da PEC no colegiado.
A comissão é a primeira etapa da PEC na Câmara. Depois ela seguirá para uma comissão a ser criada especialmente para o tema.
Cabe a Maia escolher o relator nesta fase da tramitação, que terá a função de negociar mudanças no texto. Há dificuldades em encontrar um deputado para a vaga diante da desarrumação do governo.
Por isso, alguns líderes aliados ao presidente da Casa defendem que a posição seja ocupada por alguém do PSL. Assim, o centrão retira de seus ombros a responsabilidade de um eventual fracasso do texto.
Desde o começo do ano, Maia tem assumido o papel de avalista da reforma, mas avisou o governo que precisava de instrumentos para viabilizar o apoio na Casa.
Quase que diariamente, ele defende a PEC e fala sobre a necessidade da reforma para ajustar as contas públicas. Integrantes do governo não adotam a mesma postura —Bolsonaro inclusive.
Ao perceber a deterioração do cenário favorável à reforma entre os deputados, Maia tenta avisar o Palácio do Planalto e o presidente sobre a necessidade de ações para formar a base.
Sem a reação do governo, Maia tem dado declarações mais realistas.
Na segunda (18), ele afirmou, em evento no Rio, que o Congresso não tem “320 liberais” e que é preciso conversa para aprovar a reforma.
Maia também defende que não se tratem de temas polêmicos antes da reforma, para não contaminar o clima de sua aprovação.
Apesar disso, Bolsonaro tem se envolvido em polêmicas com pano de fundo de costumes: no Carnaval, por exemplo, postou vídeo obsceno nas redes sociais criticando a festividade.
No almoço com Maia, líderes de partidos decidiram dar outro recado para o governo: vão pressionar por alterações no decreto que estabelece exigências para a ocupação de cargos de confiança na administração pública federal.
Para eles, o Planalto tem que alterar o texto e as novas regras têm que valer para as indicações feitas desde 1º de janeiro; ou então, vão articular a aprovação de um projeto para mudar a data de vigência do decreto.
FOLHAPRESS