Delcídio disse “não reconhecer” o teor da delação divulgada pela IstoÉ. Nem confirmou nem negou seu conteúdo. Claro. Nele há uma cláusula de silêncio total por seis meses. O ministro Teori Zavascki não teria concordado com ela. Daí a não homologação do acordo. Nesse ínterim o documento vazou. E ainda não teria vazado tudo. Haveria mais bombas na delação (envolvendo mais políticos – como Renan -, mais partidos e inclusive a mídia grande).
A rede Globo diz que, pelas suas fontes, a delação é verídica. Na máfia há uma regra fundamental: só pode haver um grande segredo entre três pessoas quando duas estão mortas. O vazamento não é motivo legal para não homologar a delação. A execração pública das autoridades políticas acontece no Brasil desde 1822. O tempo da mídia é distinto do tempo da Justiça. Mais: pela CF, a mídia não precisa informar suas fontes.
Se tudo que foi delatado for confirmado e provado, Lula pode responder e ser condenado por crimes gravíssimos (corrupções de milhões, obstrução da Justiça, tráfico de influências, várias “compras de silêncio” – de Cerveró, Marcos Valério – que teria pedido R$ 200 milhões -, Senadores, Deputados etc.). São crimes de alta octanagem (diz a IstoÉ).
Lula teria ainda influenciado e feito arquivar “sem resultado algum” várias CPIs (o que não é nenhuma novidade na Nova República, ou melhor, na República Velhaca). Também a CPI da “compra da emenda constitucional permitindo a reeleição”, do tempo dos tucanos, teria sido “arquivada” nebulosamente.
Lula pode ser preso? Em outros tempos (antes de 2012), diante da tradicional Justiça neocolonialista, jamais isso ocorreria. Com a Lava Jato tornou-se possível, aliás, previsível. Durante 512 anos, a prisão preventiva (na prática) só recaía (salvo raríssimas exceções) sobre os súditos não proprietários (particularmente de cor negra ou parda).
Depois da “morolização” da Justiça criminal, o sistema da “minha cela, minha vida” (preventiva fácil, constitucionalmente reprovada), que valia apenas para os súditos, passou a valer também para os proprietários (incluindo os grandes proprietários e os políticos, brancos naturalmente), acusados de serem “barões ladrões”.
Aos “pedalinhos” claramente se aplicaria o princípio da insignificância. Mas ninguém contava, com toda certeza, que até mesmo o tríplex e o sítio de Atibaia (caso sejam do Lula – as investigações prosseguem) se tornariam “juizados de pequenas causas” (diante das imputações milionárias ou bilionárias de corrupção, tráfico de influência etc.).
Uma coisa é certa: contra todas as lideranças políticas emblemáticas (no mundo inteiro), deve-se decretar uma prisão com tudo muito comprovado. É preciso convencer a população (sob pena de rebelião coletiva). Mais: se ele deixar a prisão sem reconhecimento de culpa alguma, o herói nacional se transforma em um mártir (isso, eleitoralmente, o torna quase imbatível).
Contra Dilma a delação de Delcídio também é “bombástica”: ela saberia da corrupção na Petrobras, teria mantido diretores para essa finalidade, teria conhecimento total da compra fraudulenta de Pasadena, teria feito caixa dois na campanha de 2010 etc.
Se tudo isso fosse pouco, ainda teria nomeado Marcelo Navarro como ministro do STJ com a promessa de ele votar pela soltura de empreiteiros presos pela Lava Jato. E efetivamente seu voto favorável ao ex-presidente da Odebrecht e da Andrade Gutierrez aconteceu. Toda a trama seria do conhecimento do ministro Francisco Falcão.
O CNJ deve investigar isso a fundo. Dilma teria usado seus poderes legais para favorecer financiadores da sua campanha (assim como das campanhas dos adversários). Não há dúvida que aí haveria crime de responsabilidade (que autoriza oimpeachment). O pedido já formulado pode ser aditado. Sua tramitação volta, depois da decisão do STF, à estaca zero.
Quanto a Dilma, então, temos o seguinte: subiu o termômetro do impeachment (as regras procedimentais já estão definidas, mas sem as ruas nada vai acontecer); mais provas estão aparecendo de abuso de poder econômico e outros crimes em suas campanhas (esse é o processo que tramita no TSE, relacionado com a campanha de 2014).
Evidentemente que a Presidenta precisa ser investigada (ela não pode ser processada por crimes fora da função, mas investigada sim). Pode e deve ser investigada. A presunção de inocência não impede a investigação. Antes de tudo, é uma questão de passar a limpo as suspeitas (com todas as consequências nacionais e internacionais que isso acarreta para a economia, para a instabilidade social etc.).
Como disse o ministro Celso de Mello (do STF), no sistema Republicano ninguém está acima da lei. E o presidente deve ser o primeiro a dar o exemplo. Mais: ele também falou em “assalto e captura do Estado brasileiro por uma organização criminosa”. É a propinolândia, ou seja, o paraíso das propinas cleptocratas (dos donos do poder).
O argumento de que Delcídio não “tem credibilidade” (levantado pelo PT e Cardozo) não tem nenhum efeito jurídico. O STF refutou essa tese no dia 27/8/15, em julgamento de habeas corpus (impetrado pelo ex-ministro Dipp) que questionava a credibilidade de Youssef para fazer delações (depois de ter quebrado outra anterior no caso Banestado). Mais: Delcídio era líder do governo no Senado até semana passada. Se não fosse de confiança não seria líder.
A chance de a Comissão de Ética do Senado cassar o senador Delcídio (se confirmada sua delação) é enorme. Na mesma onda “morolizadora” deve também sair a cassação de Eduardo Cunha (apesar da sua habilidade negociadora). Uma coisa puxa a outra. É uma questão de preservação da “imagem” das instituições, se é que ainda resta algo honorífico a ser mantido depois de tanta corrupção e bandalheira.